18 de Maio – Histórias que precisamos contar

Do lado de lá, do lado de cá, ali e acolá. Ser vítima de violência não é uma escolha. Entre ricos e pobres, negros e brancos, dentro de casa, na igreja ou no vizinho, a dor de crianças e adolescentes é silenciada todos os dias com crimes que não queremos ver. Hoje, 18 de maio – Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – e todos os dias, a violência contra nossa juventude bate à porta, mas quase nunca é ouvida. Ela se apresenta, mas quase nunca é vista. Ela deixa marcas, às quais não damos atenção.

Existem histórias que não queríamos contar. Histórias de crianças e adolescentes que são privados todos os dias dos seus direitos mais elementares. Que vivem a realidade cruel de serem abusados dentro de suas próprias casas. Muitas vezes por aqueles que as deveriam proteger. Aqueles que deveriam ouvir pararam de prestar atenção. Sonhos roubados e marcas que perduram pela vida.

Essa triste realidade atinge nossa juventude. Todos os dias os direitos humanos são violados em diferentes regiões do Brasil. Dados nacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mostram que, em 2017, os canais disponíveis registraram um total de 142.665 denúncias. Só no primeiro semestre de 2018, as violações contra crianças e adolescentes tiveram 36.757 denúncias recebidas através de ligações telefônicas, incluindo relatos de negligência e violência psicológica, física e sexual.

Embora o número nacional seja expressivo, apenas 1% dos casos de abuso contra crianças e adolescentes chega até a Justiça. Esse tipo de violência aparece disfarçado em gestos e atos, seguida de ameaças no processo de agressão, que causam danos irreversíveis as vítimas. E, infelizmente, muitas denúncias não chegam. O abuso faz com que a vítima guarde em silêncio as marcas, por motivos como culpa, medo, insegurança e coação. Pais e educadores são os principais agentes de proteção das crianças e adolescentes. E as escolas ainda são o reduto de segurança da nossa juventude.

Por isso, o Instituto Paulista de Magistrados criou em 2016 o Projeto EU TENHO VOZ, com o objetivo de desenvolver diferentes ações em escolas, centros comunitários e outros espaços contra o abuso sexual, físico e psicológico de crianças e adolescentes. Levamos às escolas o espetáculo “Marcas da infância”, encenado pela Cia. Narrar – Histórias Teatralizadas, que retrata três memórias da infância – com diferentes tipos de abusos – que deixaram marcas difíceis de cicatrizar. Após a apresentação, juízes, promotores de justiça e advogados voluntários se unem aos educadores, psicólogos e estudantes e promovem um debate para trazer informação e ensinar como as crianças e adolescentes podem romper o silêncio e procurar ajuda.

A violência contra crianças e adolescentes bate à porta todos os dias e quase nunca é vista. Devemos trabalhar continuamente para que aqueles que sofrem o trauma da violência encontrem alento, abrigo, resposta, apoio e respeito. Respeito em todo o processo. O Projeto mostra para as crianças e adolescentes que eles têm aliados e que podem pedir ajuda. Desde a primeira apresentação, o projeto recebe denúncias dos alunos e professores que assistiram ao espetáculo. Até agora, mais de 15 mil crianças já foram atingidas pelo Programa EU TENHO VOZ.

O dia 18 de Maio é dia de reflexão (*). É dia de ação.

O Projeto EU TENHO VOZ é a prova de é que para cada pequena ação, existe uma resposta, na reconstrução da cidadania ativa e no envolvimento de toda a coletividade. Afinal, cuidar de nossas crianças é dever de todos nós.

Quero convidá-los a participar dessa luta. Temos que continuar dizendo e mostrando para nossas crianças que elas não estão sozinhas. Vamos juntos mostrar que é possível ‘quebrar o silêncio’ imposto pelo abuso e dizer às vítimas que a sua voz é a maior defesa.

Porque sempre tem alguém em quem se pode confiar!

 

 Juíza Hertha Helena Rollemberg Padilha de Oliveira 

   
(*) A data foi instituída pela Lei Federal 9.970/00 e remete a mesma data do ano de 1973, quando a menina de 8 anos Araceli Crespo foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada em Vitória (ES). Apesar da natureza hedionda do crime, seus agressores nunca foram punidos. Por conta da grande repercussão do caso na época, a instituição dessa data representou uma oportunidade de mobilização e sensibilização de toda a sociedade em relação ao tema.

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